12 outubro 2010

Devagar

Vai-se arrumando aos poucos
O Verão
Em prateleiras limpas
Impecáveis
Os trastes admiram
E ficam ao canto
A espreitar invejosos
Doutros a sorte.
Arruma-se também a vida
Desregrada, desmedida
Para, com calma, dar lugar
A essa rubra Estação
E saudar o Outono
Que se aproxima devagar
Devagar…

Chuva

Mil

partículas

 se levantam quando

doce acaricias o dorso cansado
do meu corpo sedento ficas em mim
um momento e toda sorrio por dentro. Por

vezes és brava - fustigas o meu corpo de mãos

dadas com o vento. Agito-me e solto meu diálogo

 olfactivo que te acalma o espirito e te faz, de novo,

repousar sobre mim para que, com os meus galhos

cansados de existirem desde tempos imemoriais
te murmure ao ouvido: A paz que no bosque

se vive sempre que a chuva

cai

17 setembro 2010

Pensamento II

Uma vida é feita de colagens: Pessoas, Vivências, Pequenos traços de vida que passam descuidados e imprimem o seu carácter - deixam um pouco de si.
Acumulo rasgos e colagens: Locais, Sensações.
Sou um quadro rico de matizes que se assume incompleto, mas magnânime.

Ensina-me


Bouguereau - Psyché et l'Amour






Gosto quando me ensinas
Coisas que finjo esquecer
Para que, de novo,
Com carinho
Me ensines a viver.




15 setembro 2010

Pensamento

Todos, como estátuas, submetidos à vontade do tempo silencioso, somos, quase sempre, protagonistas duma história que deveria permanecer esculpida no tempo.
Mas é preciso que alguém seja capaz de revelar a profundidade dos meandros pessoais onde ela se desenrolou, para depois conhecermos como essa história foi a possivel aventura maior do espirito de cada homem, explicando-se livre, simples, imutavel na sua mutabilidade, conciso, sombrio, contrário, com uma dor de pressentimento ou esperança num destino pessoal cumprido.
Enfim...entrecortada de muitas ou poucas palavras e mais para além do que é dito.

14 setembro 2010

Canção

Sempre o teu cheiro fresco
Nestas noites 
Em que o luar
É laranja/ rubro.
Auroras de cristal
Que ao distante Leste 
Recortam silhuetas
Que sopram melodias
Ao vento matinal.
Corre no céu
Uma poeira fina
Que as fadas
Deixam para trás.
Cheira a chuva
Neste equinocial dia
Que obumbra
Sem doutrina nem teoria
A memória
Do brilhante paraíso prometido
Na luz do teu olhar.
As ravinas deste monte cansado
Já não cantam com saudade
A paisagem dolente
Do segredo ardente
Que trazias ao peito agarrado.


Foto de Eduardo Amorim





Acontece ter avançado

Incompletamente acantonado
O vil rosto no espelho partido
Ser episódico de múltiplas faces
Os versos frenéticos
Exaltadores de todas as utopias
Exalam odores a podre
Que se propagam na alma
Enretesando os tendões da memória.

Acontece ter tido a religião
De cada dia lembrar ao pensamento
Que lembrar-se de ti
NÃO!
E acontece ser mais bonita
Neste vestido de negação
Que é minha pele despida
Meu destino, minha emoção.

Foto de José Lopes